O Brasil e a Proteção da Camada de Ozônio: uma parceria bem-sucedida entre governo, setor produtivo e sociedade.

ENTREVISTA: Prof. Dra. Damaris Kirsch Pinheiro

dra damarisDoutora em geofísica espacial pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Damaris Kirsch Pinheiro atua há mais de 20 anos no desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao ozônio atmosférico, radiação ultravioleta, aerossóis e dióxido de nitrogênio atmosférico.

Em 2014, ela foi convidada para ser revisora do Assessment Report, relatório produzido pelo Painel de Avaliação Científica do Protocolo de Montreal. Atualmente, a Dra. Damaris Pinheiro é coordenadora do curso de graduação em engenharia química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.

Em entrevista exclusiva aos parceiros do Protocolo de Montreal no Brasil, a professora comentou sobre o Assessment Report, a produção brasileira de pesquisa científica sobre o ozônio e o sucesso da implementação do Protocolo de Montreal.

O que é o Painel de Avaliação Científica (SAP) do Protocolo de Montreal e qual a importância do SAP Assessment Report para a comunidade científica e para a sociedade?

Esse painel tem uma função técnico-científica extremamente importante. Eles coordenam as atividades científicas de pesquisa de praticamente todos os pesquisadores de ozônio do mundo, porque o painel é responsável pela emissão do Assessment Report, o relatório que a cada quatro anos balisa as pesquisas em ozônio. Esse relatório trata de todas as pesquisas, todas as novidades que são desenvolvidas em termos de pesquisa científica na área de ozônio e radiação ultravioleta. Agora, estamos trabalhando para lançar em 2018 um novo relatório. Em 2014, eu fui uma das revisoras e provavelmente serei revisora novamente. O painel que coordena essas atividades tem mais de 50 pessoas envolvidas na produção desse texto, que chega a ter mais de mil páginas.

Quais países que integram e/ou que colaboram com os relatórios desenvolvidos pelo Painel de Avaliação Científica? O Brasil e a América Latina têm grande representatividade?

Nesse momento, não há nenhuma representatividade da América Latina no painel. Na verdade, o painel é composto por pesquisadores e nomes importantes no desenvolvimento de pesquisas. Tem um pesquisador da África atualmente no painel. São quatro ou cinco pessoas apenas que o compõem.

A senhora pode adiantar quais serão as principais discussões e resultados apontados no próximo Assessment Report?

Eu tenho acesso já às iformações dos tópicos gerais. Serão abordados os gases que destroem a camada de ozônio, com um tópico específico sobre eles. A nossa preocupação atual, para os pesquisadores, não é mais só o CFC, pois o Protocolo de Montreal está controlando esses gases que destroem a camada de ozônio de forma extremamente bem sucedido. Há outros gases que foram somados a essa lista. A Emenda de Kigali, por exemplo, colocou os HFCs como gases a serem controlados. O HFC não tem cloro, então não destrói o ozônio, mas, em compensação, tem um forte potencial de aquecimento global. Então, ele interferiria no efeito estufa e na mudança do clima.

Um problema atual, que provavelmente será colocado no relatório, é sobre a discrepância de dados entre o inventário apresentado pelos países e o que é medido na atmosfera. Existem muitos trabalhos científicos sobre isso. Em vários lugares há uma discrepância muito grande entre o que os países estão dizendo que emitem e o que estamos vendo na realidade. Na atmosfera há muito mais desses gases do que é declarado.

Outro capítulo, que sempre tem no Relatório, é sobre qual é a situação atual da camada de ozônio. Vamos ter também um capítulo específico, que é uma novidade, sobre a relação entre ozônio e mudança do clima, porque temos uma via de mão dupla: tanto a camada de ozônio tem certa influência na mudança do clima, como também a mudança do clima têm uma influência sobre a camada de ozônio. Para o Brasil, inclusive, essa influência é extremamente importante.

Como é essa relação de influência entre a mudança do clima e a camada de ozônio?

Ainda não temos medidas concretas, apenas projeções, mas essas simulações já preocupam a comunidade científica brasileira. Se continuarmos com o processo de mudança do clima e o provável aquecimento global, o que vai acontecer é uma aceleração da circulação de Brewer-Dobson. A circulação de Brewer-Dobson é extremamente importante para a camada de ozônio, pois ela distribui o ozônio no planeta na estratosfera. A produção de ozônio é muito ativa próximo entre o Equador e os trópicos, porque é o local que tem mais radiação, e o ozônio é produzido através da radiação ultravioleta, que quebra a molécula de Oxigênio (O2), liberando um átomo de O, que reage com outra molécula de O2, formando o O3, que é o ozônio. Então, esssa circulação leva o ozônio que é fortemente produzido na região do Equador para os polos, distribuindo-o globalmente.

A circulação de Brewer-Dobson acontece porque o ar na região do Equador fica muito quente na troposfera, levando-o a subir. Nesse processo, ele entra na estratosfera e empurra o ar dessa região. Na estratosfera, o ar quente não sobe mais, porque o ar acima dele está mais quente ainda. Então, na estratosfera, o impulso que vem da superfície terrestre na camada de ozônio acaba sendo na horizontal, não na vertical, fazendo com que o ozônio do Equador vá para os lados, ou seja, em direção aos polos.

Quando há um aquecimento muito intenso, no caso do aquecimento global, isso acelera a circulação. Se essa circulação se acelerar porque está mais quente embaixo - e o ar mais quente sobe com mais força -, então, lá em cima, na estratosfera, também vai ter mais energia para o ar circular mais rapidamente para os polos, dissipando a camada de ozônio na região do Equador. Apesar de ainda não termos dados científicos que possam medir esssa diminuição do ozônio no Equador, acredita-se que isso é o que vai acontecer na zona equatorial na eventualidade de um aquecimento global, o que poderá causar um aumento de incidência de radiação em um local que já recebe radiação extremamente alta.

Esse efeito é diferente do buraco na camada de ozônio, que é causado por substâncias químicas que destroem a molécula. Há rarefação da camada de ozônio tanto no Ártico quanto na Antártida, mas no Ártico ele é bem menos intenso, porque não apresenta temperaturas tão baixas como na Antártida, que levam à formação de nuvens estratosféricas. Essas nuvens funcionam como sítios ativos de reação química, onde a destruição da camada de ozônio é acelerada.

Como o seu trabalho e pesquisa no Brasil se conciliam com os objetivos do Protocolo de Montreal e com sua atuação no Painel de Avaliação Científica?

O trabalho que a gente desenvolve no sul do Brasil é realizado por um grupo de pesquisadores do centro regional sul do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), do nordeste e também do Pará. Desde 1992, há 25 anos, realizamos pesquisa em ozônio na região. A gente monitora a camada de ozônio aqui. Um dos primeiros artigos que desenvolvemos é sobre a influência do buraco de ozônio antártico sobre a nossa região. Não é o buraco em si, é o que chamamos de efeito secundário. O buraco, a cada certo período, libera uma massa de ar que pode viajar centenas e até milhares de quilômetros. Verificamos, então, que essas massas de ar podem chegar na nossa região, diminuindo a camada de ozônio no sul do Brasil. Esse efeito secundário acontece de uma a cinco vezes ao ano. Nos últimos anos, está sendo mais frequente. Cada vez que chega essa massa de ar com pouco ozônio, ela se mistura com a nossa camada de ozônio, que é uma camada de dimensões normais. Nesse período, temos uma diminuição da nossa camada que chega a 10%, mas já foram registradas diminuições de mais de 20%.

Outro dado que obtivemos é que a cada 1% de queda de ozônio, há um aumento médio, ao longo do dia, de 1,2% da radiação ultravioleta na região. Então, diminuindo 10% do ozônio, há um aumento de 12% da radiação ultravioleta. Isso acontece de agosto a dezembro, época em que o buraco da camada de ozônio está aberto na Antártida. Apesar de o efeito secundário da camada de ozônio durar pouco tempo, de dois a três dias, se estivermos, por exemplo, em época de plantação, pode dar uma quebra de safra, então é bem perigoso. Adicionalmente, nesse período, há necessidade de conscientizar a população quanto à necessidades de se proteger ainda mais contra os raios solares. Normalmente, esse efeito atinge o sul do Brasil, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mas já houve registros também no Paraná e em São Paulo.

Como a senhora avalia os 30 anos do Protocolo de Montreal e a contribuição do Brasil ao longo dessas décadas para a proteção da camada de ozônio?

Na verdade, o Protocolo de Montreal é o protocolo ambiental mais bem sucedido de toda a ONU. Ele se propôs a diminuir as emissões de uma lista de gases e tem conseguido atingir as suas metas. Entre as décadas de 1980 e de 1990, estávamos observando uma diminuição no ozônio estratosférico, principalmente em determinadas regiões de média latitude do hemisfério sul. As reduções chegaram a 6% de ozônio em relação às medições da década de 1970. Então, estávamos tendo uma redução global da camada de ozônio. Essa redução parou. Isto é o mais importante resultado do Protocolo de Montreal: ele parou a redução global da camada de ozônio. Já no final da década de 1990, conseguimos observar essa recuperação e, estudos indicaram a estabilização do tamanho do buraco da camada de ozônio. Em alguns locais já se viu uma recuperação total da camada aos níveis pré-década de 1970, como no Equador. Para a nossa região no hemisfério sul, ainda não houve uma recuperação total, mas a redução da camada de ozônio já parou. Isso é o mais importante. A gente acredita que agora é só uma questão de tempo para a camada se recuperar completamente até os níveis pré-década de 1970.

Eu acredito ainda que o Protocolo de Montreal, nesses 30 anos, foi extremamente importante para a proteção da população. Esse é o principal resultado. Nós teríamos, atualmente, em algumas simulações, se não houvesse o Protocolo de Montreal, índices de radiação ultravioleta de quase 20, de um índice que foi criado para variar de 0 a 15. Nós teríamos então, um índice acima do valor da escala. Aqui no Brasil, estamos medindo, no máximo 16, 17, mas poderia estar passando de 20 se não existisse o Protocolo de Monteal. Acima de 11, a Organização Metereológica Mundial e a Organização Mundial da Saúde falam que a população não deve se expor a essa radiação solar, porque é considerado índice extremo. Imagine que, no Brasil, temos índice extremo praticamente todo o período de verão. O Brasil é o país que mais recebe incidência de radiação do mundo, justamente por ser um país continental, praticamente todo entre o Equador e trópico. Se não fosse o Protocolo de Montreal, teríamos índices de radiação muito mais altos, então o número de câncer de pele seria muito maior. O problema de quebra de safra teria sido muito grande, porque as sementes não estão preparadas para radiação em excesso que poderíamos ter. Teríamos perda de algumas espécies de plantas e animais que não tem suscetibilidade a alta radiação. A existência do Protocolo, para o Brasil, por sermos um país que mais recebe a radiação do mundo, é extremamente importante.

A senhora pode fazer um panorama do Brasil em relação à produção científica sobre a camada de ozônio e o Protocolo de Montreal?

Quanto à parte de produção científica, o Brasil está atrás. Não porque os pesquisadores não estão produzindo, mas porque há poucas pessoas trabalhando, há pouquíssimos grupos trabalhando em questões de ozônio no país. A previsão ainda é que em cinco ou dez anos os pesquisadores atuais se aposentem, ou seja, teremos ainda menos pessoas desenvolvendo pesquisas científicas nessa área. Esse é o problema, não estamos gerando formação de recursos humanos, porque os cursos de metereologia no país são muito poucos e essa área é estudada por metereologia e ciências atmosféricas. Como são poucas pessoas que estão trabalhando, essas pessoas ficam trabalhando em previsão do tempo ou trabalham com o ozônio, mas em poluição troposférica, não trabalham com a camada de ozônio, que é a metereologia da estratosfera. Na verdade, eu creio que a gente tem, no máximo, três grupos de pesquisa trabalhando em todo o país. Isso é uma preocupação muito grande.

Além disso, temos, no Brasil, cerca de seis ou sete instrumentos para medir a camada de ozônio espalhados ao longo do país, todos sob gerência do INPE. Atualmente, temos apenas dois técnicos para fazer o acompanhamento desses instrumentos e eles estão em processo de aposentadoria.

A produção de recursos humanos, de pesquisadores e técnicos, operadores de instrumentos, na verdade, é uma preocupação mundial. No encontro de gerentes de pesquisa de ozônio, no final de março deste ano, na Organização Metereológica Mundial em Genebra, esse foi um ponto ressaltado. Os países estão aposentando mais do que gerando novos especialistas no tema. Corre-se o risco que as pesquisas sobre ozônio tendam a diminuir muito no mundo inteiro por conta desse problema.

Quais são as suas perspectivas para os próximos anos em relação à camada de ozônio?

Na região sul do país, com a pesquisa dos efeitos do buraco de ozônio sobre o Brasil, já mostramos que esses efeitos tem se intensificado desde o início do século XXI. Antes, até a década de 1980 e 1990, tínhamos até dois efeitos por ano, com anos que até não tinha nenhum efeito secundário. Agora, a partir dos anos 2000, todos os anos apresentaram mais de um efeito secundário.

A previsão é que o buraco da camada de ozônio ainda se abra na Antártida até a década de 2050. Então temos ainda bastante tempo para nos preocuparmos. A perspectiva é que continuemos com essas pesquisas. Estamos agora trabalhando junto com um projeto com duas universidades francesas para fazer a modernização para identificação desse efeito secundário e criar um sistema de aviso para a população sobre esse efeito. Acredito que esse sistema logo estará disponível online. Queremos ampliar o sistema para todo o sul da América do Sul, não só sobre a região brasileira.

 

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